quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Sobre o amor

O amor chega como quem nada quer. Sorrateiro, lhe agarra. De surpresa, rouba o seu corpo; entra pela boca; pelo nariz; pelos ouvidos; às vezes pelos poros; toma conta da cabeça e do coração; faz suar as mãos; e embrulha o estômago. Faz ali uma cidade sitiada com o mais forte dos muros, com o mais potente dos exércitos. Ou você cede, ou você luta, mas sabendo que é guerra perdida. O amor não lhe dá escolhas, ele é! Ele está onde quiser estar. Ele é dono do que quiser ter. Mesmo de você, o mais independente dos homens. Mesmo de você, que é o mais insubordinado entre os viventes. O amor lhe tem. Você se torna escravo. Mas essa escravidão pode ser tão boa, quando o amor toma de assalto o outro também. Essa sensação de duas pessoas serem capturadas e conectadas pelo amor é sublime. Então não tem por que lutar. Só aproveitar. Se entregar. Viver sorrindo à toa. Sentindo saudades em cada minuto que separa a hora da despedida do momento do reencontro. Pegar desesperado o ônibus no fim do expediente para chegar em casa e desfrutar dos braços. Ficar perdido em abraços. Unir os corpos e se tornar um só. Invadir um ao outro com ferocidade. Encontrar o ápice. E depois relaxar. Sentindo a paz que esse mesmo amor te traz.

Mas, às vezes, o amor é faceiro. Parece querer rir às nossas custas. Ele volta os seus olhos para alguém. E, propositalmente, esquece de voltar os olhos desse alguém para você. Aí é amor de uma pessoa só. Amor de uma pessoa só dói. Os seus olhares não são correspondidos. Não há sorrisos em troca dos seus. Não há braços para conter a infinidade de abraços apertados que você tanto deseja. Não há beijos. Não há desejo. Não há um “eu te amo”. Não há promessas de uma vida inteira.

Às vezes, o amor até pega o outro também. Mas o abandona no meio do caminho. Abortando todos os planos construídos em conjunto. Esse tipo, então, não só dói. Destrói!

Pelo menos, chega um momento que ele vai embora e lhe dá um sossego. Permite que você levante da cama, escove os dentes, faça a barba, tome um banho, vista uma boa roupa e reconstrua a sua autoestima. Ele até permite que você aprenda alguma coisa. Que fique mais forte. Às vezes, até imune a algumas ciladas. No fim de tudo, ele acaba valendo a pena. Sempre vale a pena.

domingo, 3 de julho de 2016

Domingo de Aniversário



Hoje, 3 de julho, após algumas poucas horas de sono, acordei com uma vontade gigantesca de escutar Eclipse Oculto do Caetano. Não me diz nada, de fato. Mas soa muito bem pra mim. Escutei 3 vezes. Agora ouço as sugestões do youtube, que toca as minhas prediletas e outras que nunca escutei antes. Acabo de completar 26 anos. Dia desses, brincando, sento no colo de minha mãe. Ela silencia por cerca de 5 segundos e fala: 26 anos... como o tempo passa rápido! Eu concordo. Acho que consigo contar com detalhes pelo menos um fato de cada ano de minha vida. Eles estão tão frescos na memória, que tudo parece recente. Não que eu seja velho, mas o tempo passa mesmo rápido. Só se pensa nessas coisas em dia de aniversário, né!? Assim como se sente um misto de alegria e gratidão por mais um ano em que se vive, e uma melancolia da saudade do que passou, com uma pitada de incertezas acerca do futuro. E essa impossibilidade de não se fazer uma análise da vida. Existir é muito doido, penso. 

São 13h. Daqui a pouco recebo parentes que vêm me visitar a fim de comemorar o meu aniversário. Legal sair do conforto de sua casa para prestigiar alguém. Aprecio. Mas mal tomei café-da-manhã, não tomei banho, não me “arrumei”. Estou em frente ao computador, continuo escutando Caetano e não tenho vontade de interromper esse fluxo. Amo todo mundo. Mas constato que para mim, pelo menos nesse exato momento, o melhor seria não receber ninguém. Tô bem assim. Tranquilo. Favorável.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Encontro parte 1 (Experimento 3)

Sabe, ontem, quando arrumava o meu quarto, que estava uma zona, eu encontrei uma caixinha embaixo de todas as roupas. Guardei longe da minha vista por algum motivo que não sei. Na verdade, sei sim. Queria manter distante tudo o que me lembrasse você. Só que a minha coragem não é tão grande e tive medo de jogar fora as lembranças. Quanto tempo faz mesmo desde a última vez em que nos vimos? Um mês? Dois? Para mim parece anos. Se depois de tudo ainda penso em você? Claro! Dia após dia. É só ficar distraído e ouvir tocar um blues, ou sentir um cheiro familiar, que já caio na cilada das lembranças. Sonho ao som daquela cantora... aquela com uma voz doce, bem suave. Aquela que canta em inglês e eu nada entendo. Ela me faz pensar em você. Pensar no futuro que teríamos assim que você me convidasse a construir uma vida ao seu lado. À noite, então, custo a dormir imaginando os dias felizes, as gargalhadas, os carinhos e até mesmo as brigas procedidas pelas pazes. Fazer as pazes é tão bom. Faz com que as brigas valham alguma coisa.

É engraçado eu te encontrar logo hoje. Logo hoje que tenho na mente todas as palavras que foram ditas e escritas. Repassei tantas vezes que poderia recitá-las como em um monólogo. Elas me fizeram considerar uma volta sua. Porque vendo tanto carinho demonstrado, tanta paixão nos seus olhos, tenho dificuldade em pensar que não se passava de uma mentira. Mentira para você, já que eu fiz de cada investida sua a minha verdade. Pensei que fossem nossas verdades. Me ouvindo, agora eu me sinto tão criança. Quase 30, mas infantil.

Olhando agora para você, sinto que gostaria de entrar em sua mente. A de agora e a de antes para saber das suas verdadeiras intenções. Me mata pensar que tudo foi estrategicamente planejado. Você faz isso muito bem. Não sei para que serve, mas você faz isso muito bem. Apesar de na cabeça já ter a certeza de que não existe ou existirá nada mais (se é que existiu em algum momento), meu coração quase sai pela boca todas as vezes que alguém bate na porta, que o telefone toca e quando chega um notificação do aplicativo no celular. Bate uma euforia que você não tem ideia. Sinto até uma espécie de alegria chegar... mas ela vai embora logo que percebo que não é você. Ah! Eu nem sei porque estou dizendo tudo isso. Talvez porque nada foi dito da sua parte e a falta de respostas me destrói. Apesar da dor, preferiria que tudo fosse escancarado, jogado na cara, ainda que sem pena. Agora eu temo, mas preciso te escutar. Posso jogar fora todas as cartas? O ciclo pode ser fechado? Posso então ficar em paz? Me diga como devo proceder. Estou cansado dessa incerteza. Prenda-me ou me liberte finalmente.

domingo, 26 de outubro de 2014

Eu não sei (Experimento 2)

Eu não sei. Eu não sei como  acordar na madrugada e voltar a dormir. Nem amanhecer ao tocar do despertador e não ficar minutos deitado na cama perdendo o tempo e me atrasando para o trabalho. Só por pensar em você. Eu não sei preparar o meu café da manhã predileto e ter a mínima vontade de comer, só por pensar em você. Eu não sei andar pela calçada e perceber qualquer pessoa que venha em minha direção, só por lembrar do teu rosto, do teu sorriso, da tua voz. Eu não sei pôr os fones no ouvido e escolher qualquer uma das músicas da minha playlist sem exitar por um tempo, porque todas me trazem uma necessidade incontrolável por você. Aliás, até consigo: o mesmo álbum da Cássia Eller que toca há mais de um mês pela falta de coragem de tentar ouvir as outras coisas. A Eller é a única que me deixa passar incólume. Depois de você, trabalhar é uma tarefa difícil. Depois, comer é uma tarefa difícil. Conversar também é difícil. Estar alegre, impossível. Depois de você, ninguém no mundo se faz interessante aos meus olhos. Eu não sei. O que faço. Eu não sei. Como fico bem. Com a incerteza. Sobre mim. Sobre você. Sobre nós. Eu não sei. Lidar. Com. A quase certeza. De que não. Há um nós. Fico mesmo sem saber. Só o que sei: teus olhos; cabelos; tua pele; tua boca; teus beijos; teu corpo; teu cheiro; tua voz; teu calor; teu carinho; teu ser; tua presença; teu riso; teu grito; tuas histórias; teu gosto; tua imperfeição mais que perfeita; você. Te esquecer é tudo. Tudo o que eu não consigo saber.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

breve passagem (Experimento 1)

chegou nas pontas dos pés. surpreendeu. se fez presente sem anunciar. não falou com o porteiro. não bateu na porta. apenas entrou. chegou na sala. ligou a tv. sentou no sofá. foi à cozinha. se alimentou. entrou no quarto. deitou na cama. se fez beleza aos olhos. se fez arrepio à pele. se fez calor ao corpo. se fez amor ao desejo. adentrou a alma. fez estada no coração. dilatou o espaço. fez ali uma casa. com sala. com cozinha. com quarto. com cama. e na ponta dos pés, saiu. se fez ausente sem anunciar. não avisou ao proprietário. não fechou a porta. apenas saiu. e onde antes não havia espaço... muito espaço. ficou vazio. agora, muito trabalho. esvaziar os cômodos. derrubar a casa. limpar o entulho. apertar o coração. diminuir o espaço até caber no corpo. pôr muro ao redor da alma. se fechar. avisar ao porteiro para não deixar ninguém entrar. só custará um tempo. mas vai passar.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A noite passada

  Sentiu em seu pescoço um ar quente e percebeu o corpo entrelaçado. Assim acordou e se deu conta de que havia braços a segurar-lhe a o tronco por ambos os lados. Suou frio por um momento. Com medo de acordar quem quer que estivesse lhe abraçando, permaneceu imóvel. Olhou a parede a sua frente. Era azul e tinha um mural de fotografias coladas de forma irregular. Sim, era seu quarto. Mas quem estava deitado em sua cama? Tentou se lembrar da noite que acabara de passar. Nada em sua cabeça. Olhou para a mão do indivíduo. Eram grandes, brancas e com pelos ralos. Não reconheceu. Pensou, então, em virar o corpo bem devagar. Tentou, mas abortou a ação, pois, com o movimento, os braços lhe envolveram com mais força. Não conseguiria sair dali.
     A noite passada era um mistério. Como não se lembrava dos acontecimentos? Era sábado e sabia que chegara do trabalho às 19h30 na sexta-feira. Não houve happy-hour, disso tinha certeza. A bebida não era o motivo de sua amnésia. Refez então os passos com o esforço da mente: "Cheguei ao prédio, cumprimentei Seu João da portaria, chamei o elevador que estava no 10º andar. O elevador chegou, eu entrei, apertei o número 11 e subi. Saí no meu andar, andei até a entrada do apartamento, coloquei a chave na fechadura, destranquei a porta, abri e... e..." Não se lembrou de nada a partir dali.
     Descontente, lhe passava pela mente várias e inimagináveis possibilidades de acontecimentos daquela noite. Sem lembrar-se de nada, não poderia dizer se fizera algo bom ou se enlouquecera totalmente. E se enlouqueceu? As pessoas viram? Será que tinham alguma prova contra? Temeu ainda mais. Decidiu que ficaria ali para sempre, trancado no apartamento, deitado naquela cama, envolto por aqueles braços.
    Em meio a todo medo, se deu conta de que os possíveis problemas eram secundários. Nesse momento precisava descobrir com quem havia dormido. Com frio na barriga, decidiu, finalmente, virar o rosto e vislumbrar o seu companheiro de sono. Moveu-se vagarosamente com um movimento que parecia nunca terminar. Quando conseguiu deitar sobre suas costas, "Bom dia!", disse uma voz próxima ao seu ouvido. Os seus olhos pareciam querer saltar do globo ocular. Todas as lembranças apareceram de repente. Não queria acreditar nos flashbacks, não, não podia.  Depois dos longos trinta minutos sem qualquer indício dos fatos, agora tinha uma certeza: Nada daquilo deveria ter acontecido.